Água: Como enfrentar a crise hídrica

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Atualizado em: 08 May 2021

Nós exploramos como continuar tendo alimentos em nossa mesa, mesmo com as mudanças climáticas, mas como garantir que todos tenham acesso a água limpa e segura? Apenas 3% da água na Terra é água doce, que é a água que usamos para beber, permanecermos limpos e irrigar as plantações .

A maior parte da água doce é utilizada para fins agrícolas (70%) e industriais (19%) . A água doce é um dos recursos naturais mais vitais do mundo  e mudanças extremas na sua disponibilidade têm graves impactos na saúde e no bem-estar das pessoas  e também na vida selvagem .

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Demanda global de água

Ao pensar nos impactos das mudanças climáticas – o aumento dos níveis do mar, as tempestades, inundações, secas e o derretimento das geleiras – você pode começar a reconhecê-los como parte de um tema aquoso, ou, mais cientificamente, u0022hidrológicou0022.

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Efeitos das mudanças climáticas nos eventos hidrológicos globais

Como as mudanças climáticas afetam o ciclo da água e a disponibilidade de água doce?

A água doce é um recurso renovável, o que significa que ele se reabastece regularmente . Enquanto a escassez de água é impulsionada em grande parte por um rápido crescimento populacional , o clima também tem influência no abastecimento de água renovável .

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Riscos para a disponibilidade de água doce

As mudanças climáticas irão provavelmente agravar a escassez de água existente, especialmente à medida que nossos níveis de aquecimento passam de +2 para +4 °C . Na verdade, a cada grau de aquecimento global, um percentual adicional de 7% da população mundial poderia ver uma redução de 20% dos recursos hídricos renováveis .

Tendo em conta que 74% de todas as catástrofes naturais entre 2001 e 2018 eram relacionadas com a água , a escassez não é a nossa única preocupação. Isso porque espera-se que as mudanças climáticas aumentem a probabilidade de eventos hidráulicos extremos, como secas, inundações e ciclones . Uma das maiores ameaças a que teremos de adaptar-nos é o aumento do nível do mar. Em comparação com 1986 a 2005, espera-se que o nível médio do mar global aumente entre 0,43 a 0,84 m até o ano de 2100 . Se nós não decidirmos nos adaptarmos de forma alguma, a partir de 2100, o aumento do nível do mar poderia colocar entre 0,2 a 4,6% da população mundial em risco de inundações anuais, e isso custará entre 0,3 a 9,3% do PIB — serão dezenas de bilhões de dólares !

A princípio, isso pode parecer estranho — como podemos ter pouquíssima e muita água ao mesmo tempo? Bem, isso é porque sob o efeito das mudanças climáticas, as áreas alagadas se tornarão ainda mais úmidas e as áridas ainda mais secas . Isso significa que a desproporção entre a demanda de água doce e a oferta dela ficará maior ao longo do tempo , juntamente com variações na frequência e gravidade dos eventos hidrológicos .

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Como a frequência das inundações mudará?

Como deveríamos nos adaptar a essas mudanças e manter nosso abastecimento de água?

1. Gestão da Água

Para gerir a água de forma sustentável, devemos repensar a origem da nossa água, como a transportamos e como a utilizamos no dia a dia .

Hoje em dia, muitos países dependem de redes de abastecimento de água para tratar e transportar água doce para onde ela é necessária . No entanto, se quisermos reduzir a nossa vulnerabilidade às mudanças climáticas, e levar água aos mais necessitados, teremos de atualizar e expandir esses sistemas. Por exemplo, ao simplesmente consertarmos tubulações de água com vazamentos poderemos evitar a perda de 20 a 30% da água tratada !

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Consertar tubulações com vazamentos economizaria muita água

Embora 20 litros possam soar muito, não é nada comparado aos 15 400 litros necessários para fazer 1 kg de carne . Para combater o desperdício de água, podemos nos adaptar conservando e reciclando água sempre que possível, tanto em contextos pessoais como industriais . Quando isso não for suficiente, as regiões propensas à seca podem precisar impor racionamentos na utilização de água , tal como o limite de 50 litros por dia para os residentes da Cidade do Cabo em 2018 .

Quando trata-se de administrar a paisagem natural, projetos como “Sala para o rio” (’Room for the River’ em inglês) nos Países Baixos já começaram uma adaptação ao aumento dos níveis dos rios por meio da construção de pontes mais elevadas, cavando os canais de escoamento e, essencialmente, permitindo o rio inundar de forma controlada . Estes projetos de adaptação em grande escala necessitam de um financiamento considerável, o que muitas vezes provém dos governos locais.

O financiamento também pode vir de um nível internacional. Na África Ocidental e no Sahel, mais de 20 países juntaram-se para criar o “Grande Muro Verde” — um projeto de reflorestamento liderado por agricultores de 8 000 km de extensão . O projeto visa plantar mais vegetação e aumentar o valor ecológico do Sahel, enquanto combate o risco de seca prolongada . Como parte disso, os agricultores adaptaram-se escavando redes de covas para plantio que recolhem e armazenam água durante a estação seca. Isto não só reduz o impacto da escassez de água, mas melhora os rendimentos das colheitas locais e encoraja a paisagem a regenerar naturalmente 

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Adaptando-se através do reflorestamento

Dessa forma, os governos desempenham um papel realmente importante no que se refere à adaptação. Dê uma olhada no gráfico abaixo – ele mapeia duas abordagens diferentes para a política de alocação da água (ou seja, as regras que determinam quem é capaz de utilizar os recursos hídricos e como, quando e onde isso acontece ) e o impacto que essas políticas podem ter no PIB em 2050 :

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As políticas governamentais poderiam nos ajudar na adaptação à escassez de água

2. Novas tecnologias e fontes de água

Até agora, temos discutido o acesso aos 3% da água do planeta que é água doce. Mas e se pudéssemos utilizar a tecnologia para facilitar o acesso aos outros 97%?

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Água doce

Esses 97% são água com característica muito salgada, então, para utilizarmos, temos que retirar esse sal. Fazemos isso através de um processo chamado u0022dessalinizaçãou0022 . Enquanto a dessalinização permite-nos depender menos dos recursos limitados de água doce , é também um processo custoso e consome muita energia . Além disso, devemos ter cuidado em outras questões ambientais com a dessalinização. Por exemplo, as tubulações que entram em águas marinhas também sugam a vida oceânica , e a salmoura deixada após o processo de dessalinização pode poluir os habitats marinhos . Por conseguinte, a dessalinização só é favorecida em zonas onde a água é realmente escassa , tal como em Israel, onde a usina de dessalinização de Sorek fornece 20% da demanda de água local .

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Dessalinização

A dessalinização não é a única solução tecnológica para a escassez de água. Outros métodos são ainda mais estranhos e maravilhosos, como coletar água de nevoeiros  ou até mesmo transportar água via icebergs vindos da Antártica . Embora ainda não tenhamos o jeito de rebocar icebergs, os habitantes locais do nordeste da Índia estão criando suas próprias geleiras artificiais chamadas “estupas de gelo”. Estas compensam o derretimento das geleiras, assim como as chuvas - que são cada vez menos confiáveis - proporcionando uma fonte de água alternativa .

Podemos também procurar tecnologias, isto é, ferramentas de baixo custo para monitorar a água, prevendo e modelando com precisão as mudanças aquáticas, conforme a disponibilidade obtida , desde mapas detalhados do clima e da geografia até sistemas de alerta precoce que nos atualizam sobre a probabilidade de inundações ou ciclones (EWS) .

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Prevendo desastres naturais.

Conforme discutido anteriormente, a infraestrutura e o planejamento urbano são ferramentas muito importantes para a gestão da água . Além de atualizar o que já temos, a inovação tecnológica também será importante nestes setores. Exemplos variam desde uma pavimentação permeável com poros que absorvem melhor a água de tempestades , ou elevar as alturas de pontes  e até mesmo construir casas resistentes a tufões onde os telhados são projetados para suportar velocidades de vento de até 180km por hora .

Na China, os planejadores urbanos deram mais um passo em frente e basicamente transformaram cidades inteiras em esponjas gigantes, que reutilizam ou absorvem 70% da água de tempestades . Isso é feito capturando água da chuva em jardins de telhado, áreas úmidas e canais especiais chamados u0022bioswalesu0022 (do termo em inglês), antes de a redirecionar para fins domésticos ou agrícolas .

Image of Cidades projetadas para absorver grandes quantidades de água excedente

Cidades projetadas para absorver grandes quantidades de água excedente

3. Soluções baseadas na natureza

Ao longo dos anos, as respostas às ameaças hidrológicas frequentemente favoreceram proteções estruturais feitas pelo homem, como diques, barragens ou quebra-mares. Embora eficazes a curto prazo, elas podem ser caras . Os Países Baixos gastaram um total de $9 bilhões para lidar com o aumento do nível do mar entre 1960 e 2010 . Alternativamente, podemos nos inspirar na natureza para encontrar soluções mais acessíveis e a longo prazo e que nos ajudem a lidar com eventos hidrológicos extremos .

A restauração dos habitats costeiros provou ser uma solução popular. Esses habitats não só fornecem proteção física contra catástrofes naturais  (reduzindo a altura da onda em uma média de 35 a 71% ), mas eles também absorvem e armazenam carbono, evitam a intrusão de água salgada nas fazendas , e abrigam uma rica diversidade de plantas e animais . Só os manguezais já valem mais de US$ 80 bilhões por ano, simplesmente pela sua capacidade de proteger as zonas costeiras (e os seus 18 milhões de habitantes) da inundação .

Apesar da perda de 35% dos manguezais no mundo entre 1980 e 2000 , evidências continuam demonstrando que os benefícios da existência de florestas de mangues saudáveis são 10 vezes superiores aos custos de manutenção delas  e 2 a 5 vezes mais baratos que as defesas costeiras feitas pelo homem .

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Benefícios dos Manguezais

Não apenas os manguezais, como também as árvores em geral, são partes importantes do ciclo da água, porque elas aumentam a taxa de entrada da água da chuva no solo, reduzindo assim o risco de inundação .

Na verdade, tudo, desde minúsculas larvas de insetos até castores e lobos,  podem alterar a forma e o fluxo de sistemas fluviais ! Essas espécies são essencialmente engenheiros naturais. Embora os castores sejam particularmente conhecidos por reduzir os efeitos da erosão dos rios e de enchentes , nem todos estão satisfeitos com a sua reintrodução, uma vez que sabe-se que cortam demasiadas árvores e escavam muitos solos, se não forem supervisionados .

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Engenheiros de ecossistemas podem ser encontrados em todos os lugares

Conclusão

A gestão sustentável dos recursos hídricos precisa ser prioridade máxima se quisermos evitar futuras crises hídricas. Uma adaptação bem-sucedida exigirá um investimento em grande escala na infraestrutura de sistemas de água sustentáveis , uma melhora na eficiência da utilização da água e um melhor aproveitamento das novas tecnologias e informações . Isso provavelmente irá acontecer através de uma mistura de soluções elaboradas e naturais, bem como decisões regulatórias tomadas pelos órgãos de gestão da água .

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